Retirado do livro "Técnica, Espaço, Tempo", quinta edição, 2013. Editora Edusp
Acelerações são momentos culminantes na história, como se abrigassem forças concentradas, explodindo para criarem o novo. A marcha do tempo, de que falava Michelet no prefácio à sua História do século XIX, é marcada por essas grandes pertubações aparentemente sem sentido. Daí, a cada época, malgrado a certeza de que se atingiu um patamar definitivo, as reações de admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender os novos esquemas e para encontrar um novo sistema de conceitos que expressem a nova ordem de gestação.
A aceleração contemporânea não escapa a esse fato. Ela é tanto mais suscetível de ser um objeto na construção de metáforas quanto, para repetir Jacques Attali, vivemos plenamente a época dos signos, após termos vivido o tempo dos Deuses, o tempo do corpo e o tempo das máquinas. Os símbolos baralham porque tomam o lugar das coisas verdadeiras.
A primeira tentação é nos tornarmos outra vez, como na acelaração precedente, adoradores, dubitativos ou firmes, da velocidade. Essa última espantou os que viram surgir a estrada de ferro e o navio a vapor e, depois, viveram o fim do século XIX e o já longínquo começo do século XX, com a invenção e a difusão do automóvel, do avião, do telégrafo sem fio e do cabo submarino, do telefone e do rádio.
Mas por que limitar a aceleração à velocidade strictu sensu ? A aceleração contemporânea impôs novos ritmos aos deslocamentos dos corpos e, ao transporte de ideias, mas também acresentou novos itens à história. Junto com uma nova evolução das potências e dos rendimentos, com o uso de novos materiais e novas formas de energia, o domínio mais completo do espectro eletromagnético, a expansão demográfica ( a população mundial triplica entre 1650 e 1900, e triplica de novo entre 1900 e 1984, a explosão urbana e a explosão do consumo, o crescimento exponencial do número de objetos e do arsenal de palavras.
Mas, sobretudo, causa próxima ou remota de tudo isso, a evolução do conhecimento, maravilha do nosso tempo que ilumina ou ensombrece todas as facetas do acontecer.
A aceleração contenporânea é, por isso mesmo, um resultado também na banalização da invenção, do perecimento prematuro dos engenhos e de sua sucessão alucinante. São, na verdade, acelerações superpostas, concomitantes, as que hoje assistimos. Daí a sensação de um presente que foge. Esse efêmero não é uma criação exclusiva da velocidade, mas de outra vertigem, trazida com o império da imagem e a forma como ela é engendrada, através da engenharia das comunicações, ao serviço da mídia - um arranjo deliberadamente destinado a impedir que se imponham a ideia de duração e a lógica da sucessão.
Esse tempo de paradoxos altera a percepção da história e desorienta os espíritos, abrindo terreno para o reino da metáfora de que hoje se valem os discursos recentes sobre o Tempo e o Espaço.
Falta agora, certamente, aceitar o desafio conceitual. A aceleração contenporânea tem de ser vista como um momento coerente da História. Para entende-la, é necessário e urgente reconstruir, no espírito, os elementos que formam a nossa época e a distinguem de outras.
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