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A inevitável fusão PT/PSDB - Fausto Arruda, 2005



texto publicado inicialmente no Jornal A Nova Democracia em 2005


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Bernstein e Kautsky, rompendo com o campo revolucionário, no final do século 19 e início do 20, preconizaram partidos que, conquistando a confiança da burguesia, chegassem à direção do Estado e promovessem reformas sociais. Assim foi com os partidos sociais democratas, que estabeleceram o "Estado do bem estar social" propiciando tanto lucro àquelas burguesias, que lhes foi possível brindar o proletariado com pequenos mimos, cooptando as suas lideranças para abandonarem o projeto revolucionário e aderirem ao reformismo.


Por longo tempo, partidos trabalhistas como o da Inglaterra, e socialistas, como o da França, tiveram oportunidade de ocupar o governo e gerenciar os interesses da burguesia de caráter colonial e imperialista. O sistema capitalista mundial entrou porém em colapso e, no final da década de 1970, as forças reacionárias, lideradas por Ronald Reagan, no USA, e Margaret Tatcher, no Reino Unido britânico, desencadearam tremenda investida contra os outros povos para salvar o imperialismo de um fim que se acha cada vez mais próximo.


As correntes mais retrógradas da humanidade — da burguesia financeira, aos revisionistas da URSS, da China e do Leste Europeu e a igreja (principalmente a católica, tendo à frente Carol Wojtyla) confluíram para extirpar as conquistas dos trabalhadores do mundo inteiro e garantir a manutenção do lucro máximo, única forma de dar sobrevida ao capitalismo agonizante, desviando o desenvolvimento humano do rumo do socialismo para a barbárie. Com a hegemonia do imperialismo, os partidos social-democratas se fizeram instrumento da ofensiva contra-revolucionária e difundiram a demagogia da Terceira Via, adotando o receituário neo-liberal — denominação dada pelo imperialismo à sua investida contra os direitos dos trabalhadores e das nações e povos oprimidos.


No Brasil, esta vertente manifesta-se, primeiro, com a criação do Partido dos Trabalhadores, sob a direção de ex-guerrilheiros arrependidos, usando como porta-estandarte o metalúrgico Luiz Inácio. Isto coincide com a ascensão do líder católico e metalúrgico Lech Walessa, do reacionário movimento Solidariedade. Tem-se, em seguida, o surgimento do partido da social-democracia, o PSDB: chegava ao Brasil a terceira via, tão distante de seus propósitos reformistas europeus quanto o vampiro Bento Carneiro de seu congênere da Transilvânia. Sua inspiração, na verdade, era a possibilidade de assumir a gerência dos interesses do sistema financeiro internacional, apresentando-se com roupagem ideológica diferenciada dos entreguistas tradicionais, e como versão moderna, entre-aspas, da fração compradora da grande burguesia brasileira.


Paralelas que se encontram


Por um lado, o PT desenvolvia sua política de democracia pequeno-burguesa liberal radical, acumulando força junto aos trabalhadores e o povo, muito favorecido pela ausência de um verdadeiro partido comunista (a existência de partidos revisionistas só reforçaram tal situação), e valendo-se de sua demagogia eleitoreira, esvaziando assim o campo tradicionalmente ocupado pelo Dr. Leonel Brizola e o seu trabalhismo burguês radical.


Por outro, o PSDB aproveitando o vácuo resultante da queda em desgraça do grupo de Collor para colocar Fernando Henrique Cardoso no posto de gerente, ao final de uma trilha — usada para o golpe do Real e a demonstração de maturidade para a banqueirada internacional — que começa nas Relações Exteriores e desemboca na pasta da Fazenda. Assim, Cardoso desfrutou, por dois mandatos, da confiança da banca mundial, à qual correspondeu praticando crimes de lesa-pátria que acabaram por incompatibilizá-lo com a grande maioria do povo. Incompatibilidade de tal magnitude que se transferiu a José Serra, seu candidato para o gerenciamento.


O PT, seguindo seus pares europeus, e já contando com as simpatias do povo iludido, resolve então mostrar a que veio. Assume com o FMI para dar continuidade ao programa elaborado pela escroqueria internacional para o Brasil. Prosseguir no que já tinha sido implementado por Cardoso com o zelo dos serviçais. Foi muito bem aceito.


A posse de Luiz Inácio e o processo de transição do gerenciamento anterior para o seu foram marcadas por um festival de amabilidades e afagos dos dois lados. Cardoso sempre repetindo que entre eles havia mais semelhanças do que diferenças, e Luiz Inácio retribuindo com a concessão de foro especial para o antecessor e, como confessaria posteriormente em Vitória, no Espírito Santo, encobrindo-lhe falcatruas.

No parlamento, o PSDB faz uma oposição para inglês ver, atuando no campo da "moral", e cobrando celeridade no andamento das "reformas" cujas bases implantou na gerência Cardoso. Como é inadmissível este partido opor-se à implementação do próprio programa, a tão falada oposição programática do PSDB é cobrar do PT que cumpra as determinações do FMI e do Banco Mundial, rigorosamente nos termos da carta-compromisso para a qual Cardoso colheu a dócil assinatura de Luiz Inácio nas vésperas da eleição de 2002. Até porque as "reformas" de que foi incumbida a gerência de Luiz Inácio são aquelas que Cardoso não conseguira realizar, principalmente por oposição do PT.


Explicando a diferença entre o PT e o PSDB, José Genoíno assim se colocou: "Temos diferenças de visão programática de Estado, sobre economia, sobre universalização das políticas públicas e sobre a questão internacional, sobre o papel do Brasil no mundo. Temos diferenças programáticas e estratégicas com o PSDB. Por outro lado, o PT tem de ter uma relação politizante e de alto nível com o PSDB, que se constitui no nosso principal adversário desde 1994. Quando falamos dentro de uma visão de direita e esquerda, é sempre a partir de um referencial, não de um modo pejorativo, de um ataque. O PT, nas suas diferenças com o PSDB, refuta radicalmente a tese pregada por FHC, de um partido hegemonista, exclusivista. Estamos à frente do Estado e reformando esse próprio Estado. Por isso, na proposta-tese da maioria do PT, estamos reafirmando o caráter republicano e democrático do PT, nas suas relações com a sociedade e com o poder público".


Do poder não abrem mão


Economizando muito desse latim, Cardoso, em conversa com o petista Cristóvam Buarque, diz que não existe diferença ideológica ou programática separando PT e PSDB, mas pura e simplesmente disputa por poder. Em entrevista à revista Comunicação & Política, publicada pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), Cristóvam reconhece avanços do gerenciamento Cardoso, admite as dificuldades do PT de empreender mudanças e acena com a possibilidade de uma futura aliança. O ex-gerente, em resposta, diz que já pensou na possibilidade de PT e PSDB estarem do mesmo lado, mas considera a hipótese pouco provável por conta da disputa pela hegemonia política no país: "É porque nós não discutimos nem disputamos ideologia, é poder, é quem comanda".


Colocando a realidade de cabeça para baixo, Cardoso atira a culpa nas massas. Para ele, há uma "massa atrasada" no país e partidos que "representam esse atraso", referindo-se ao aglomerado de agremiações que dão suporte aos últimos governos (PFL, PMDB, PTB, PP, PL, etc.). "Os dois partidos que têm capacidade de liderança para mudar isso são o PT e o PSDB", diz ele, continuando a inverter a realidade e justificando com a lembrança de que foram esses dois partidos, ou frações da socialdemocracia, que mais aprofundaram a submissão do Brasil à oligarquia financeira internacional e ao latifúndio, que representam hoje o que há de mais atrasado e carcomido no mundo. E arremata: "No fundo, nós disputamos quem comanda o atraso". Seria mais exato se dissesse que a disputa é de quem lidera a manutenção e continuidade do atraso. Na verdade, Cardoso ainda acha pouco o PT estar implementando toda a política econômica acertada por ele com o FMI e o Banco Mundial e ainda utilizar quadros do PSDB para esta implementação. Ele quer mais: quer a fusão das duas frações. O ex-gerente, mesmo tendo sido convidado para compor a comitiva presente aos funerais do papa, demonstra certa mágoa por Luiz Inácio não procurá-lo com mais freqüência.


Parte da intelectualidade petista se esforça para rechaçar essa identidade e demonstrar, através de várias teses sociológicas nas quais são resgatadas a base social e a cultura política petista, que existe uma "profunda contradição" — que somente os tolos crêem ainda existir, e que os espertalhões procuram camuflar.


Mas os fatos são teimosos. O "pragmatismo" do ministro José Dirceu (Casa Civil) derruba as teses sociológicas com a força dos argumentos fisiológicos, afirmando que, "se o PT não fizer alianças para o ano que vem, o partido não conseguirá reeleger Luiz Inácio da Silva." Dirceu alerta que o PT, mesmo fazendo "cara de purgante, sendo amargo", precisa se aliar a outros partidos. Na mesma linha pragmática entre-aspas, o líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP), disse que, sem o apoio de partidos como o PP e o PL, o governo não consegue aprovar projetos no Congresso. Óbvio, e que projetos!


Acontece que tanto estes acordos como o principal que, hoje, é tramado com o PMDB, implicam liberação de verbas para saciar a sede de empreiteiros e outros sanguessugas da política mundana (quer dizer, da política oficial), fundamentais para o caixa de campanha. E isto contraria as determinações dos amos imperialistas com relação ao superávit fiscal. Ora, o único partido que vota com prazer as anti-reformas de Luiz Inácio, até porque são de sua paternidade, é o PSDB. Vota e não "cobra" nada.


Estouram escândalos, mais como válvulas de escapes que necessitam serem abertas para evitar explosões em cadeia. Por exemplo, de bilhões e bilhões que os grandes corruptores arrastam do país para as suas sedes na metrópole, procura-se, sempre, dar a impressão de barateamento, já que toda a rapina imperialista, a julgar pelas acusações que se tornaram públicas, parece custar apenas 30 dinheiros (atualizados para 30 mil e, ainda, mensais) a fim de que parlamentares nativos prossigam homologando projetos imperialistas.


Assim, vai ao ar uma novela — de cunho detetivesco, outra vezes, inquistorial mesmo, enxurradas de acusações e evasivas —, que pretende grande audiência, muitos personagens e saída por cima, ou seja, perder oficiais mas conservar a integridade do sistema de governo. Tem-se a impressão de que, nessa encenação, o legislativo arma uma tentativa desesperada de livrar a velha estrutura parlamentar da sua (penúltima) desmoralização.


O PT é também acusado de emitir orden$ para evitar enxurradas de anêmicas CPIs, que, por serem dinâmicas, tendem a fazer com que se eleve continuamente a cotação das propaladas propinas para agentes passivos da corrupção. Luiz Inácio diz que será implacável e que "cortará a própria carne" (que ameaça!), tentando passar de réu a promotor — o que, por enquanto, não é difícil. Os pragmáticos, fisiológicos, idiossincrásicos e hegemônicos têm que enfrentar e resolver esta contradição. Tudo pelo mercado.


Pessimismo do mercado


Diante da possibilidade de desaceleração das economias da China e do USA, os mercados financeiros internacionais parecem contaminados por uma onda de pessimismo.


O FMI projetou uma redução no crescimento global de 5,1%, em 2004, para 4,3% em 2005, em decorrência da alta do preço do petróleo e da desaceleração das economias do Japão e da Europa. Ao atrelar a economia brasileira principalmente às expectativas de crescimento das nações imperialistas ou com tais pretensões, como a China, o risco para os especuladores está na eventual configuração de um desaquecimento dessas economias. Nesse caso, poderiam enfrentar dificuldades, devido à queda nas exportações e nas cotações das "commodities". Isso poderia recolocar a necessidade de financiamento externo a taxas de juros crescentes. A economia brasileira poderia sofrer uma reversão no processo de valorização do real, com impacto negativo sobre a inflação, a taxa de juros e as finanças públicas.


Assim, para manter a estabilidade da economia e a governabilidade, com a manutenção do fluxo da sangria determinado pelo FMI e o Banco Mundial, nada mais "patriótico" do que fundir as duas frações do servilismo pró-imperialista. Este, afinal, é o sonho dourado dos imperialistas para ter assegurado a paz social no Brasil e no continente sul-americano.


Mesmo sendo o desejo do patrão, somente o agravamento ao extremo da crise (que não é apenas do PT, nem dessa "administração", mas de toda a ordem burguesa e das suas instituições fundamentais) imporá, por cima das veleidades, caprichos e ambições do mundinho socialdemocrata tupiniquim, a necessária fusão de suas hostes. Pois nesta situação todos estarão ameaçados pelo perigo da rebelião das massas populares que insistentemente ronda o continente.




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