Salve, companheiros.
Enquanto não consigo terminar as perguntas, segue um trecho de um capítulo de "Arte Moderna" do Argan sobre o pintor Marc Chagall, que recentemente teve exposição no CCBB.
Peguei os trechos que falam de questões mais gerais, filosóficas e sociais, e evitei os tópicos mais familiares e técnicos que normalmente interessam mais os artistas.
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"A pintura de Chagall é fábula, mas a fábula é problemática. Não poderia deixar de sê-lo numa sociedade que, após uma revolução tecnológica e uma ideológica, considera-se finalmente adulta. (...) Quase simultaneamente, Chagall, com sua obra de artista, e Propp, com seu trabalho de cientista, demonstram a mesma coisa: a fábula não é uma tradição que se transmite por inércia, mas é a expressão viva da criatividade de um povo. Sendo uma força popular, pode ser uma força revolucionária. (...) Participa ativamente da revolução socialista com um entusiasmo que, aos dirigentes da revolução, parece louco. Provavelmente era, pois a revolução não é festa popular nem folclore; com os 15 mil metros de pano vermelho com que enfeita Vitebsk, no primeiro aniversário da revolução (1919), certamente teria sido mais sábio fazer camisas para quem não as tivesse, como sugeriu o Izvestia. Mas as revoluções se fazem com sabedoria? No entanto, se há algo na arte capaz de dar ideia do espírito com que o povo russo vivia os anos heroicos da revolução, é a pintura de Chagall, e não a pintura teórica e rigorista de Malevich. (...) Não é fortuito o interesse de Chagall pelo folclore russo e judaico, pelas sagas e cantos fúnebres populares. Como todos os artistas avançados russos, ele também parte do 《populismo》; todavia, mantêm-se populista e tal é seu limite face a vanguarda soviética. Seu ideal, porém, é introduzir esse seu fluxo de lembranças e sentimentos, obscuros, mas poderosos e vitais, no cerne da cultura europeia; iluminar os mistérios de sua "alma russa" à luz fulgurante da pintura francesa, dos impressionistas aos fauves; reviver, enfim, a ardente aventura do artista a quem mais admira, Van Gogh. (...) Chagall se mantém mais próximo ao plano da experiência sensorial, que para ele é imediatamente contíguo ao plano da psique. Antes, não era possível tornar viva a realidade psíquica profunda, porque a tela sensorial estava preventivamente organizada pela razão: via-se com uma lógica ordem lógica pré-constituida. Agora, não mais: o Impressionismo, com tudo que veio a seguir, desmontou essa superestrutura racional. (...) Seu 《populismo》se materializa no empenho de fazer realmente uma arte popular: e, para o povo, a visão do mundo não deriva de esquemas intelectuais abstratos, que ainda são princípios ou instrumentos da autoridade. O povo vê como fala, vê o que diz. (...) Há, na raiz, uma simbologia das cores; qual é o símbolo, não importa saber, ou melhor, não se deve saber, pois do contrário o encanto seria rompido. Ou melhor, sabe-se no inconsciente: o símbolo é a linguagem do inconsciente, como a lógica o é da consciência; e o símbolo deve permanecer inconsciente e hermético, justamente porque é ilógico em si, não se podendo admitir logicamente que o mesmo signo signifique duas coisas diferentes. (...) O processo de Chagall é, em certo sentido, um processo de transliteração, semelhante ao de Breughel, quando dá figuração aos provérbios flamengos: transpõe imagens visuais as palavras de um texto. O texto que se encontra sobre as figurações de Chagall nunca fica explícito, e apenas ele o conhece. Ele e "o povo", que talvez não saiba o que o artista quis dizer naquele caso específico, mas possui a chave, o código da mensagem, porque a estrutura do discurso é a do discurso popular. Chagall, em suma, inverte o procedimento da arte "áulica", feita para uma elite de iniciados: faz uma arte para iniciados, todavia [estes] constituem uma massa, e as camadas da elite não são capazes de entendê-la, estão dela excluídas da mesma forma como os adultos estão excluídos do fascínio de uma fábula. (...) A despeito do seu entusiasmo pela revolução, se mantém como 《populista》; e a contribuição de seu grande talento para a pintura moderna reduz-se à descoberta de que a fonte da linguagem, inclusive da visual, é a imaginação, não a lógica, mas que a imaginação, tal como a lógica, possui uma estrutura própria e cumpre uma função "construtiva"." (Arte Moderna, Argan). Se quiserem, depois procuro as páginas para colocar na citação. Abraços e saudações de Nova Democracia!
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