Texto retirado do artigo "Por que a nova física é necessária para compreender a mente", de Roger Penrose, do livro "O que é a vida - 50 anos depois - especulações sobre o futuro da biologia", Michael P. Murphy e Luke O'neill, editora Unesp, 1997
A mentalidade humana tem muitas facetas. Pode bem ser que algumas delas possam ser explicadas pelos conceitos da física atual ( comparar com Schrödinger, 1958) e, além disso, estar potencialmente abertas à simulação em computadores. Os defensores da intelegência artificial (IA) afirmariam que tal simulação é com certeza possível - pelo menos no que diz respeito a muitas das qualidades mentais basicamente relacionadas com a nossa inteligência. E mais, ela poderia ser utilizada para capacitar um robô a comportar-se, especificamente nesses aspectos, do mesmo modo que um ser humano. Os defensores da IA forte iriam mais longe e sustentariam que toda qualidade mental pode ser imitada - e eventualmente suplantada - pelas ações - dos computadores eletrônicos. Eles também afirmariam que essa mera ação computacional deve provocar, no computador ou no robô, o mesmotipo de experiencias conscientes pelas quais nós passamos. Por outro lado, existem muitas pessoas que argumentariam o contrário: que certos aspecros da nossa mentalidade não podem ser tratados apenas em termos de computação. De acordo com essa visão, a consciencia humana seria de tal qualidade - ou seja, ela não é uma mera manifestação da computação. Na verdade, eu mesmo vou defender este argumento, mais do que isto, porém, vou argumentar que as ações que nossos cérebros realizam de acordo com nossas deliberações conscientes devem ser coisas que não podem nem mesmo ser simuladas em um computador - então, com certeza, a computação é incapaz, por si mesma, de gerar algum tipo de experiência consciente.
Para nos tornarmos estes argumentos mais precisos é necessários termos uma noção muito claro do que significa "computação". Na verdade, existe uma definição matematicamente exata deste termo, que pode ser dada pelas chamadas ações da máquina de Turing. Essa máquina é um computador matematicamente idealizado - de tal forma que ele pode funcionar indefinidamente sem degastar-se ou ficar mais lento, de modo a nunca cometer erros e, principalmente, de modo a ter uma capacidade de armazenamento ilimitada ( portanto, devemos imaginar que sempre será possível aumentar a capacidade de armazenamento caso exista o risco dela acabar). Não pretendo dar uma definição da máquina de Turing mais precisa do que esta, na medida em que todos nós estamos de alguma maneira familiarizados com a noção de "computador". ( Para maiores detalhes, consultem, por exemplo, Penrose, 1989.) Quanto a noção de "consciência", não vou tentar defini-la aqui. Tudo o que precisamos saber sobre ela é que, seja o que for, é alguma coisa necessariamente presente quando compreendemos algo - especialmente quando compreendemos um argumento matemático.
Por que alego que os efeitos da deliberação consciente não podem nem mesmo ser simulados através de procedimentos computacionais ? Minhas razões derivam firmemente do conhecido teorema de Kurt Gödel (1931), o qual claramente implica que a compreensão matemática não pode ser reduzida a um conjunto de regras de computação conhecidas e totalmente aceitas como verdadeiras. É possível ir além disso e argumentar que nenhum conjunto de moros procidimentos de computação que podem ser aprendidos seria capaz de gerar um robô controlado por computador e dono de uma genuína compreensão matemática. Esses procedimentos poderiam incluir não apenas instruções algorítmicas "de cima pra baixo", mas também alguns mecanismos de aprendizado "de baixo pra cima", programáveis de forma menos rígida. Realmente, não é apropriado que eu tente em detalhes; os argumentos completos serão apresentados em outro lugar ( Penrose, 1994)
Não seria razoável supor que existe algo particularmente especial sobre a compreensão da matemática em relação a outros tipos de compreensão humana, no que diz respeito a não ser computável. Por conseguinte, a não-computabilidade da nossa compreesão matemática deve implicar que todo tipo de compreensão humana é alcançado por meios não computacionais. Parece-me igualmente não razoável supor que outros aspectos diversos da consciencia humana possam ser explicados computacionalmente mais do que a compreensão pode. Por fim, acredito que animais não-humanos - pelo menos muitos tipos diferentes de animais - também possuem a qualidade de consciência e, consequentemente, também devem agir de acordo com regras não-computacionais.
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