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Uma Carta de Coimbra: Se o ar pode ser cortado com uma faca, não são seus amigos! - Pedro Sáfara.

Atualizado: 17 de mai. de 2024

Texto originalmente escrito em inglês. Em breve o original estará disponível.


Tradução por Veredas Críticas, 16/05/2024


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Interessante notar uma inversão operada no seio das políticas de esquerda nas últimas décadas.


A maioria dos nossos eminentes ativistas do passado estavam lutando para se libertarem das identidades irracionais e opressivas, criadas para manter-nos presos aos sistemas econômicos e culturais hierárquicos de exploração. Para este fim, eles estudavam tais identidades: suas origens, os processos através do quais os seres humanos estavam sendo presos aos limites artificiais de tais identidades. 


Atualmente, uma elite de estudantes educados tomou o vanguarda desta discussão. Não são  mais ativistas propriamente ditos- mas uma maioria de estudantes de elite, provindos de diferentes origens étnicas e raciais, porém com algo em comum: não estão ligados a nenhuma organização de base, raramente se relacionam diretamente com algum tipo de ativismo real, exceto com suas atitudes diárias moralizantes. São endinheirados, ou aspiram sê-los.


São usualmente pessoas pouco interessantes. Transformaram as prórprias identidades em posições de mercado fixas, que eles usam para atender seus próprios interesses pessoais. Estudam pouco e são aprovados, pois possuem dinheiro e as universidades, atualmente, são máquinas condescendentes de transformação de ignorantes em ignorantes certificados. Produzem tais identidades em compartimentos a-históricos usados para fins competitivos em meio às políticas de bolhas da pseudo-esquerda. Em Coimbra, dominam praticamente todas as repúblicas, lugares onde outrora se praticava a livre-discussão e eram boas opções para os verdadeiros estudantes pobres, dado o baixo preço do aluguel.


Disto derivam algumas consequências: primeiramente, a divisão entre jovens estudantes e jovens trabalhadores se acentuou. Estudantes ricos decidem unilateralmente o que é aceitável ou não ser dito, e como. Deves seguir a mais recente teoria, o último vocabulário da moda torna-se a nova demanda. Se não podes falar tal linguagem, estás fora. Tal situação nos leva a um lugar onde apenas os “insiders” podem causar uma boa impressão entre os círculos de esquerda, enquanto os estudantes trabalhadores são repelidos diante do extremo foco na linguagem, que só pode advir de pessoas cujos problemas se restringem à forma como as palavras são ditas.


Outra consequência é o isolamento das instituições outroras públicas; associações que antes se orgulhavam de seu contato com a comunidade tornaram-se quase todos grupos cult para quem as pessoas de fora do seu espaço imediato se tornaram potencialmente perigosas. É importante notar que estas instituições e associações funcionam com dinheiro público.


Outra consequência: as preocupações com questões econômicas são completamente ignoradas por estes grupos: dívidas estudantis, a crescente inflação, desigualdades históricas, destruição das leis trabalhistas, tudo isto não são problemas para eles. É mais fácil encontrá-los conversando sobre micro-agressões do que sobre qualquer questão econômica, o que ironicamente tende a afetar muito mais os pretos e imigrantes. Isto exemplifica seus perfis: a economia não os afeta tanto, caso contrário, estariam certamente horrorizados, assim como estão horrorizados com os grandíssimos problemas acerca de suas autocentradas identidades.


Espaços de esquerda dominados por este tipo de pessoas tornam-se insuportáveis. Você pode cortar o ar com uma faca. Há uma atmosfera de pânico moral, pessoas tentando angariar poder através da busca por falhas individuais nos outros. Trata-se realmente de espaços dominados por uma paranóia infernal, que propicia uma ética de delação, a exclusão das reais diferenças e uma dinâmica de comunhão de culto.


Estes espaços se tornam tão homogêneos quanto podem, todos pensam igual e aqueles que divergem não podem ousar a nadar contra a maré, caso queiram manter seus recursos sociais intactos. São covardes, certamente, mas não idiotas. Ironicamente, estes espaços anti-racistas, supostamente pró-trabalho e celebrantes da diferença tornaram-se quase todos lugares de brancos ricos - Eles realmente leem ? Duvido que os mesmos livros, dizendo as mesmas coisas e supostamente pensando as mesmas coisas.


Isto é perigoso e está ruindo a reputação da esquerda real, anti-racista e anti-baboseiras-essencialistas políticas, que realmente estão preocupadas com o fim dos hierárquicos sistemas de exploração, não transformando-os em essências reificadas.


Durante anos tenho sido uma voz crítica contra tais tendências. Pude vê-las chegando, seus prenúncios. Isto certamente me prejudicou. Suas reações raramente são racionais. Eles tendem a agir através do assassinato de reputações, proferindo críticas sob categorias politicas inaceitáveis, crua desmoralização e acusações superficiais de todo tipo.


Mas eis meu ponto: continuarei caminhando livremente pela minha cidade. Comprarei boas brigas e não os temerei. Não vou permitir que me restrinjam a espaços limitados por estes ricos filhos da pequena-burguesia. Se não temo a direita, indubitavelmente não temerei esta pseudo-esquerda. 


Manterei minha cabeça erguida e continuarei minhas pesquisas e críticas independentes!


Penso ser útil, aqui, desmascarando esta tendência sobre suas reais motivações: um fenômeno provindo das elites, cujo objetivo é nos confundir acerca dos nossos reais problemas e suas soluções. 


Muitos de vocês me conhecem como um cantor ou simplesmente como um barulhento boêmio cantando meu caminho através da noite desta bela cidade. E isto certamente o sou! O que a maioria de vocês não sabem é que passo a maioria das minhas noites em claro lutando contra textos difíceis e sacrificando qualquer coisa para que esteja hábil para ensinar a mim mesmo como passar por este  mundo de mentiras com uma visão acertada. Ensinei a mim mesmo tudo o que sei e os custos foram enormes. Contudo, não há nada mais importante, hoje, do que atualizar a própria educação. Especialmente em um mundo que tenta sem descanso transformá-lo a partir de um conjunto de categorias estúpidas com a finalidade de calar sua boca e te “manter em seu lugar”.


Venho escrevendo exaustivamente acerca de tópicos como “histórias das raças”, metafísica, teoria musical, pedagogia do canto, crítica artística, religião, capitalismo e afins. Tenho ministrado cursos grátis sobre lógica especulativa, sou professor de música e pesquisador. Tudo isto para dizer que estou preparado!


Meu valor pessoal não está direcionado a ser aceito cegamente em algum grupo. 


Me reconheço melhor do que isso, graças a Deus.


Sendo assim, estou a lançar um desafio para aqueles que pensam parecido comigo: sejam mais vocais, estudem mais, não sejam paralisados pelas referências desses grupelhos. Deixem-me lhes dar um exemplo: Bell hooks não é uma boa escritora para quem está em busca de entender as dinâmicas raciais nos Estados Unidos. Vocês conhecem Barbara J. Fields, uma historiadora contemporânea que empreendeu pioneiramente trabalhos no campo dos estudos raciais e da história do Sul dos Estados Unidos ? Tommy J. Curry ? Stephanie Jones-Rogers ? Rebecca Brückman ? Provavelmente não, pois não são sucessos editoriais, produzidos a partir de conexões privilegiadas com a elite branca americana, como a própria Bell Hooks.



Ergam suas vozes, não temam nada! Sempre hão de existir amigos verdadeiros em meio a honestidade pública. Se precisas concordar sem nenhuma discussão para mantê-los à sua volta, na realidade, não tens amigos.


Pedro Sáfara, 13/05/2024, Coimbra, Portugal.


Pedro Sáfara

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